domingo, 10 de janeiro de 2016

Baquaqua

Um relato da escravidão, em primeira pessoa

Único relato conhecido de um escravo no Brasil é lançado em português
por Miguel Martins e Tory Oliveira — publicado 09/01/2016 20h58.

Baquaqua
O relato de Baquaqua é parte fundamental da história brasileira

O abolicionismo brasileiro fortaleceu-se nos anos 1870, duas décadas após a proibição definitiva do tráfico negreiro. Consolidava-se em meio à implosão do sistema escravista, incapaz de se reproduzir com a suspensão das rotas comerciais de cativos entre o Brasil e a costa ocidental da África. Relatos em primeira pessoa dos sofrimentos vividos por africanos submetidos ao cativeiro não foram registrados na Colônia ou no Império. O silêncio dos escravos e libertos na historiografia nativa, acessíveis apenas por fontes indiretas como testamentos e arquivos policiais, fragiliza a empatia dos brasileiros e o entendimento do horror da escravidão e de suas consequências perenes.

Nos Estados Unidos, o abolicionismo floresceu ainda no século XVII, com forte conteúdo religioso. Os pastores protestantes americanos acostumaram-se a coletar os relatos de negros libertos como parte de sua missão. Em 1854, o abolicionista Samuel Moore publicou as memórias de Mahommah Gardo Baquaqua, ex-escravo libertado nos EUA após três anos de trabalhos forçados em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Trata-se do único relato em primeira pessoa sobre a trajetória de um africano escravizado em terras brasileiras conhecido até hoje.

Baquaqua
A biografia de Baquaqua expõe a violência contra os negros do Império
A biografia de Baquaqua passou mais de um século e meio sem uma edição nacional. Os historiadores brasileiros Bruno Véras e Nielson Bezerra, com apoio do Ministério da Cultura e do governo do Canadá, abraçaram a causa de concluir a tradução iniciada pela pesquisadora Silvia Hunold Lara, da Universidade de Campinas, ainda em 1988. Orientado pelo pesquisador canadense Paul Lovejoy, responsável pelo relançamento recente da biografia em inglês, Véras ampliou o escopo da versão brasileira. Na segunda-feira 30, entra no ar o site baquaqua.com.br, que traz uma edição digital interativa da biografia com foco no público infantil. No primeiro semestre de 2016, o livro será lançado pela Editora Civilização Brasileira.

Biografia-de-Baquaqua
Missionário americano ensinando Mahommah Baquaqua
A história de Baquaqua inicia-se na cidade de Djougou, no Benin. De origem muçulmana, ele descreve os hábitos islâmicos de sua família, como as sessões de reza e as leituras do Alcorão. A região onde hoje atua o Boko Haram era domínio do Califado de Socoto. “O islamismo e o jihadismo sempre foram fortes no Benin”, afirma Véras.

Convidado a conhecer o monarca de uma cidade próxima a Djougou, Baquaqua foi preso após falsa festa em sua homenagem. Vendido para um traficante de escravos, acabou acorrentado aos seus semelhantes em um navio negreiro e zarpou para o Novo Mundo. “Imagino que, em toda a criação, haja apenas um lugar mais horrível do que o porão de um navio negreiro, e esse lugar é aquele onde os donos de escravos e seus lacaios muito provavelmente se encontrarão algum dia.”

A passagem demonstra o forte conteúdo religioso do relato. “A maior parte dos textos era mais de biografias espirituais do que de protestos contra a escravidão”, afirma o historiador americano Sean Kelley, integrante do projeto canadense Shadd, que organiza e edita biografias de africanos escravizados, entre elas a de Baquaqua.

O tráfico de escravos foi proibido formalmente no Brasil em 1831, mas prosperou por duas décadas na ilegalidade. Baquaqua chega ao Brasil em 1845. A equipe de Lovejoy, integrada por Véras, percorreu várias possíveis praias onde ele pode ter desembarcado em Pernambuco. A mais provável delas é a de Itamaracá, que funcionava como porto clandestino para a entrada de cativos. Na capitania nordestina, Baquaqua foi comprado por um fazendeiro português. Em um primeiro momento, o escravo tentou se aproximar de seu dono, sem sucesso. “Fizesse o que fizesse, descobri que servia a um tirano e nada parecia satisfazê-lo.”

Bruno-Veras
O historiador Bruno Véras percorreu os caminhos do africano no Brasil e no exterior
Desiludido, Baquaqua entregou-se à bebida. Pensou em matar seu algoz, mas preferiu tentar o suicídio por afogamento, ação malfadada que lhe rendeu impressionantes castigos físicos. “Fui levado à casa de meu senhor, que atou minhas mãos para trás, colocou-me de pés juntos, chicoteou-me sem misericórdia e me espancou na cabeça e nas faces com uma vara pesada.”

Vendido novamente a um traficante de escravos, Baquaqua foi levado ao Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar para o capitão Clemente José da Costa, dono do navio Lembrança. Ao ser contratado para um serviço de transporte de sacas de café para Nova York, Costa levou Baquaqua em sua tripulação. Ao chegar ao Norte dos Estados Unidos, onde a escravidão fora abolida, o cativo fugiu do navio. Enquanto era perseguido, gritava a palavra free. Embora tenha sido capturado novamente, foi libertado pelas autoridades americanas poucos dias depois.

Enfim livre, Baquaqua partiu para o Haiti, onde se converteu ao cristianismo. Voltou aos EUA em 1850. Após ter sua biografia publicada, foi para o Canadá e para Inglaterra. O Porto de Liverpool foi o último lugar que registrou sua passagem. Véras pretende, porém, ir a Lagos, na Nigéria, atrás de outros eventuais destinos de Baquaqua. “Acredito que ele voltou à África no fim da vida.”

Ex-professor da rede pública de Pernambuco, Véras optou por lançar o site com foco nos estudantes dos ensinos fundamental e médio. “A falta de referência histórica e estética dos africanos no Brasil é responsável pela baixa autoestima dos negros nas escolas.” Por esse motivo, a biografia digital é também um livro para os alunos imprimirem, recortarem e colorirem. O “Baquaquinha”, personagem infantil que apresenta o relato para as crianças, descontrói logo de início o preconceito cotidiano: é hora de pegar seu “lápis cor de pele” para pintar os personagens. “Meus alunos negros se pintavam de rosa, branco, jamais de preto. Quero que eles sintam orgulho das suas origens.”

*Reportagem publicada originalmente na edição 878 de CartaCapital, com o título "O cativeiro em primeira pessoa"


quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Deputados mato-grossenses

Antes sustentada por decreto legislativo, a verba indenizatória de R$ 65 mil destinada aos 24 deputados estaduais de Mato Grosso – a mais cara paga aos parlamentares de todas as assembleias legislativas do país - agora está instituída na forma de lei estadual. O deputado Guilherme Maluf (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), promulgou na última segunda-feira (6) a lei 10.296/2015, que estabelece em definitivo o aumento de 85,7% na verba indenizatória. A Mesa Diretora da ALMT já defendeu a lisura da verba indenizatória por meio de nota.

Até março deste ano, o valor pago mensalmente para os deputados cobrirem despesas do exercício da função era de R$ 35 mil. Desde 2010, os deputados já elevaram o valor da verba indenizatória em mais de 194%, superando de longe todas as variações médias da inflação registrada no país.

Como a verba indenizatória de R$ 65 mil já vem sendo paga aos deputados estaduais desde março por meio de decreto, a promulgação da lei somente altera o instrumento jurídico pelo qual ela passa a ser destinada. Em abril o presidente Guilherme Maluf assinou decreto legislativo instituindo o valor de R$ 65 mil, apontado em pesquisa nacional da organização Transparência Brasil como a verba indenizatória mais cara de todas as assembleias legislativas estaduais do país.

De decreto a lei

Também em abril já havia sido assinada por Maluf uma resolução determinando que a verba indenizatória passasse a ser depositada diretamente nas contas bancárias dos deputados. Antes, ela era repassada após o deputado comprovar gastos do exercício da função por meio de notas fiscais e documentação.
Embora de natureza interna e referentes ao orçamento próprio da ALMT, as alterações na verba indenizatória acabaram sendo propostas em projeto de lei estadual pela Mesa Diretora. Remetido ao governador Pedro Taques (PDT), entretanto, o projeto acabou recebendo veto total.

O governador alegou em sua argumentação que a matéria era de atribuição única da própria ALMT, que é autônoma para decidir sobre seu funcionamento interno e para manejar seu orçamento, não cabendo ao Poder Executivo interferir. O veto do governador acabou sendo derrubado pelos deputados da Casa, possibilitando que o presidente Maluf assinasse a promulgação na última segunda-feira.
Síntese dos textos dos decretos e resoluções que a antecederam, a lei promulgada por Maluf extingue os demais benefícios a que os deputados tinham direito, como auxílio-moradia, auxílio-transporte e verba de gabinete, mas também prevê o pagamento de verba indenizatória de R$ 6 mil para oito categorias de servidores da ALMT (secretários, consultores técnico-jurídicos, consultores técnico-legislativos, controlador interno, procurador-geral, consultores coordenadores de núcleos de comissões, chefes de gabinete e gestores de gabinete).

Mesa Diretora

Sobre o valor da verba indenizatória destinada aos deputados estaduais, a Mesa Diretora já se manifestou por meio de nota defendendo a lisura do pagamento e enfatizando que ele se presta somente a cobrir despesas dos deputados no desempenho das funções institucionais, “ou seja, não é destinado para gastos pessoais. Inclusive, foram proibidos o pagamento de benefícios como auxilio moradia, verba de gabinete, pagamento de diárias, dentre outras concessões”.

A nota também defende que, apesar do aumento da verba indenizatória, a ALMT tem passado por corte de gastos que já permitiram a devolução ao Poder Executivo de R$ 20 milhões do duodécimo do Poder Legislativo.
“Desde o início da atual legislatura, a Mesa Diretora adotou medidas austeras de controle de gastos. A folha de pagamento está sendo reduzida em 25% e todos os demais gastos – incluindo os de publicidade- serão reduzidos em 30%”, completou a nota.
Fonte: G1MT.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Convocação bem remunerada

Os deputados estaduais de Mato Grosso deverão interromper o recesso legislativo entre os dias 11 e 22 de janeiro para votar 14 projetos de lei em tramitação na Assembleia Legislativa (ALMT). A convocação extraordinária foi feita a pedido do governo do estado para votação de mensagens do executivo. Cada deputado vai receber R$ 24 mil pelos trabalhos exercidos no período, além do salário, que atualmente é de R$ 25,3 mil, informou a assessoria de imprensa da Casa de Leis.
Os R$ 24 mil são resultado da somatória das sessões extraordinárias, segundo a ALMT. A remuneração adicional é prevista no regimento da casa porque o pedido de convocação partiu do governo, explicou a assessoria de imprensa. Caso a convocação extraordinária tivesse ocorrido por causa de problemas na própria Casa de Leis, os deputados não receberiam a mais pelos trabalhos, acrescentou a assessoria.

O ato da convocação extraordinária está com data de 22 de dezembro de 2015, mas só foi publicada no Diário Oficial do estado que circula nesta terça-feira (5).
Além do salário de R$ 25,3 mil, cada deputado tem direito a verba indenizatória mensal de R$ 65 mil, considerada a mais cara do país.
Entre as mensagens que deverão ser votadas estão a revogação de artigo da Lei Orçamentária de 2015 que estabelece que convênios firmados com entidades privadas sejam precedidos de chamamento público, um projeto que institui o Plano Estadual de Cultura, a redefinição do nome do Fundo Estadual de Cultura, e a implantação do Conselho Estadual da Juventude e do Estatuto da Microempresa.

Outros projetos que devem ser votados pelos deputados estaduais estão a criação de cargos no Poder Judiciário e o regime remuneratório do Ministério Público do Estado.
Confira a lista do que deve ser votado:
- Projeto de Lei nº 768/15 - Mensagem nº 82/15 - Revoga o Art. 49 da Lei nº 10.233 de 30.12.2011 (LDO 2015);
- Projeto de Lei nº 769/15 - Mensagem nº 84/15 - Institui o Plano Estadual de Cultura;
- Projeto de Lei nº 770/15 - Mensagem nº 85/15 - Dispõe sobre o Sistema Estadual de Cultura;
- Projeto de Lei nº 771/15 - Mensagem nº 86/15 - Redefine o Fundo Estadual de Fomento à Cultura sob a nova nomenclatura de Fundo Estadual de Política Cultural;
- Projeto de Lei nº 772/15 - Mensagem nº 87/15 - Dispõe sobre as competências, composição e estrutura do Conselho Estadual da Cultura;
- Projeto de Lei nº 773/15 - Mensagem nº 88/15 - Institui o Conselho Estadual da Juventude;
- Projeto de Lei nº 774/15 - Mensagem nº 89/15 - Autoriza o Poder Executivo a instituir Serviço Social Autônomo denominado Instituto Mato-grossense da Carne - IMAC;
- Projeto de Lei nº 775/15 - Mensagem nº 91/15 - Revoga a Lei nº 9.889, de 11.01.13, que altera dispositivo da Lei nº 9.636, de 04.11.11, que autoriza o Poder Executivo, por intermédio do Detran-MT a conceder o serviço público que específica;
- Projeto de Lei Complementar nº 29/15 - Mensagem nº 81/15 - Institui o Estatuto da Microempresa, da Empresa de Pequeno Porte e do Microempreendedor Individual;
- Projeto de Lei Complementar nº 30/15 - Mensagem nº 83/15 - Altera a Lei Complementar nº 407, de 30.06.10, para instituir a classe de Delegado de Polícia Substituto;
- Projeto de Lei Complementar nº 31/15 - Mensagem nº 90/15 - Dispõe sobre a alteração da denominação do Centro de Processamento de Dados de Mato Grosso;
- Projeto de Lei nº 364/15 - Tribunal de Justiça - Dispõe sobre a criação de cargos na Lei nº 8.814, de 15.01.08, que institui o Sistema de Desenvolvimento de Carreiras e Remuneração dos Servidores (SDCR) do Poder Judiciário;
- Projeto de Lei nº 09/15 - Procuradoria Geral de Justiça - Dispõe sobre o regime remuneratório dos membros do Ministério Público;
- Projetos de Lei, projetos de Decreto Legislativo e projetos de Resolução de autoria dos deputados.

Fonte: G1MT

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Presos mato-grossenses

Ex-governador de MT, 3 ex-secretários e ex-deputado iniciam 2016 presos

Silval Barbosa (PMDB) está preso desde setembro suspeito de fraudes.
Ex-secretários da gestão dele e ex-presidente da AL também estão na prisão.
Do G1 MT


Silval Barbosa (PMDB) está preso desde o dia 17 de setembro.

Sem sucesso nos recursos impetrados na Justiça, o ex-governador do estado Silval Barbosa (PMDB), o ex-presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) José Riva e os ex-secretários de estado Marcel de Cursi, da Fazenda, Pedro Nadaf, de Comércio, Minas e Energia e da Casa Civil, e Éder Moraes, da Fazenda e da Casa Civil, passaram a virada do ano presos. Todos eles estão detidos no Centro de Custódia de Cuiabá (CCC).
Silval Barbosa, que comandou o estado de 2010 a 2014, está preso desde o dia 17 de setembro do ano passado sob acusação de crimes de lavagem de dinheiro, organização criminosa e corrupção passiva em 2013 e 2014, dois últimos anos da gestão dele.

Ele teria supostamente liderado um esquema de fraudes na concessão de incentivos fiscais, junto com os então secretários Marcel de Cursi, à época secretário de Fazenda, e Pedro Nadaf, da Casa Civil. A prisão ocorreu durante a Operação Sodoma, da Delegacia Especializada em Crimes Fazendários (Defaz). Ele ficou foragido por dois dias e depois se entregou.

De Cursi e Nadaf foram presos no dia 15 de setembro, também durante a operação Sodoma. Eles já protocolaram vários recursos na tentativa de deixar a prisão, mas não conseguiram. No início desta semana, por exemplo, um pedido de liberdade a Silval Barbosa foi negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Acusado de concussão, lavagem de dinheiro e corrupção passiva, Pedro Nadaf já teve um pedido de soltura negado. A defesa então entrou com recurso no STJ.

Presos no mesmo local, mas sob acusação de outros crimes que também teriam causado prejuízos aos cofres públicos, está o o ex-presidente da ALMT, José Riva, que exerceu a função de deputado estadual por mais de 20 anos consecutivos. A maioria deles nos cargos de primeiro-secretário (ordenador de despesas) e de presidente. No ano passado, ele tentou disputar o cargo de governador do estado, mas foi impedido pela Justiça.

Riva foi preso, pela terceira vez em outubro deste ano, durante a segunda fase da Operação Metástase, do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), que apura desvio de dinheiro dos cofres da ALMT por meio da extinta verba de suprimentos. Ele responde a mais de 100 ações na Justiça, entre cíveis e criminais.

O desvio na ALMT ocorreu por meio de compras fictícias - de produtos como marmitas e materiais gráficos - feitas com a antiga verba de suprimentos, entre 2011 e 2014, segundo o Ministério Público Estadual (MPE).

A defesa de Riva informou que, pela prisão atual, dois pedidos de liberados foram negados e agora aguarda apreciação no Supremo.
Entre idas e vindas à prisão, Éder Moraes voltou à cadeia no início de dezembro por violar as regras do uso da tornozeleira eletrônica por mais de 90 vezes durante 60 dias. A colocação do aparelho de monitoramento foi aplicado pela Justiça como uma alternativa à prisão de pessoas investigadas. Entre outros crimes, ele é suspeito de envolvimento em um esquema de desvio de R$ 313 milhões dos cofres do estado, no ano de 2009, quando o senador Blairo Maggi (PR) era o atual governador.