sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Sinop, onde a Amazônia virou asfalto e soja

Latifúndios. Agrotóxicos. Dinheiro, consumo e concessionárias. Índios expulsos e Amazônia devastada. História de uma regressão, em 40 anos. Pergunta: é esse o projeto para o Brasil?

Por Mauricio Torres e Sue Branford

Logo na entrada, o letreiro “Sinop, capital do Nortão” dá as boas-vindas à cidade localizada às margens da rodovia BR-163, quase 500 km ao norte de Cuiabá, capital de Mato Grosso. Com 125 mil habitantes, Sinop exala prosperidade. No coração do Brasil, o município – que tem apenas quarenta anos de fundação, é repleto de lojas luxuosas que vendem de equipamentos eletrônicos aos últimos lançamentos da moda. Concessionárias ofertam veículos novos e caros, principalmente caminhonetes com tração nas quatro rodas, próprias para rodar nas estradas de terra que ligam as muitas e ricas fazendas ao redor. Ao passear pelo centro da cidade, com suas lojas de fachadas de gosto duvidoso, a mensagem é clara: temos muito dinheiro e não precisamos conter despesas.

Sinop é uma cidade de fronteira instalada no meio da floresta. Sua história é um resumo emblemático da ocupação da Amazônia: as riquezas naturais são gradualmente destruídas ano após ano, e a floresta, os povos indígenas e comunidades tradicionais dão lugar lentamente a estradas, barragens, madeireiras, mineração, agronegócio e a outras formas do que se convencionou chamar de “desenvolvimento”.

Antes e Depois

Os generais faziam questão de ocupar a região com aqueles que chamavam de “verdadeiros brasileiros” — sua maneira de dizer “não-indígenas”.

Até a década de 1950, toda a região de Sinop era originalmente habitada por povos indígenas, particularmente os Kayabi e os Apiakás, além de remanescentes de seringueiros que lá se instalaram no entre-século 19-20. Foi então que o governo reassentou esses povos indígenas de forma obrigatória a centenas de quilômetros de distância dali, no Parque Nacional do Xingu.

Alguns anos mais tarde, a “ocupação” da Bacia Amazônica tornou-se uma obsessão dos generais que comandaram o país durante o governo militar de 1964-1985. Com o argumento de que havia interesses estrangeiros sobre a geração hidrelétrica e acesso às reservas de minérios, os militares invocaram a segurança nacional – um conceito chave da época – e não tardaram em lançar um novo slogan, “Ocupar para não Entregar”, comunicando sua ânsia de “salvar” a região.

Curiosamente, entre esses verdadeiros brasileiros, constavam grandes grupos internacionais como Mercedes-Benz e Volkswagen, que receberam, com amplas facilidades, imensas extensões de terras na Amazônia e fartos subsídios financeiros.

As iniciativas militares se diversificaram. Abriram a enorme rodovia Transamazônica, rasgando a Bacia Amazônica de leste a oeste, e instruíram um projeto ambicioso de trazer famílias sem-terra do Sul e do árido Nordeste para instalarem-se em lotes demarcados ao longo da nova rodovia.

Pipino e os pistoleiros de aluguel

O governo militar também convidou empresários do Centro-Sul do Brasil, que já acumulavam experiência em projetos de colonização de terras, a se implantar em Mato Grosso. Vastas áreas de floresta do MT passaram a ter “donos” – Zé Paraná em Juara, Ariosto da Riva em Alta Floresta e Ênio Pipino em Sinop. Nessa equação, a exuberante floresta, os índios e as comunidades tradicionais entravam apenas como obstáculos a ser superados.

Nascido em uma família de imigrantes italianos em 1917, Ênio Pipino cresceu no interior de São Paulo. Em 1948, criou a Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná, mais conhecida como Sinop Terras; ele comprava grandes áreas no Paraná por preços baixos e as vendia mais caro, já divididas em lotes pequenos para agricultores familiares. Pipino fundou várias cidades e ganhou muito dinheiro.

O jornalista Silvestre Duarte, que estuda a colonização do Paraná, explicou à reportagem que foi uma época violenta: “O Paraná era como o oeste selvagem americano no século 19, quando todos os conflitos foram resolvidos pela bala”, disse Duarte. O nível de violência empregada para expulsar índios e famílias camponesas foi tamanho que provocou repercussões na imprensa brasileira e no Congresso Nacional.

Ao erguer um império no norte paranaense, Pipino ficou famoso por sua violência. “De meados da década de 1940 até o começo da década de 1960, foi grande a atuação do exército de pistoleiros e jagunços da Sinop nessa região. Sob o comando de Marins Belo e de outros famosos pistoleiros da região, foram desalojadas famílias inteiras de posseiros e assassinadas muitas pessoas, cujos corpos eram jogados no rio Piquiri. Essa foi a marca sinistra dos pistoleiros de aluguel, contratados pela Sinop”, descreve Duarte.

Na primeira oportunidade, Pipino se empenhou em reproduzir, em escala maior, o esquema de assentamento que lhe rendeu fortuna no Paraná. De acordo com Luiz Erardi, arquivista de Sinop, Ênio Pipino e a esposa, Lélia Maria de Araújo Vieira, começaram a visitar o norte de Mato Grosso em 1970. Pipino logo teria comprado uma área de terras de um fazendeiro de São Paulo e arregimentado trabalhadores de Mato Grosso para abrir estradas de terra para tornar a área mais acessível.

Quarenta anos depois, essas terras valem fortunas e os filhos e netos de alguns desse colonos são muito ricos.

Contando com favores dos militares, Pipino acabou se apropriando de 645 mil hectares. As terras que “ganhava” do governo federal eram divididas em lotes e vendidas para famílias sem-terra do Sul.

Ao que parece, o implacável Pipino também sabia ser cativante e amável quando convinha. Para Geraldino Dal’Mazo, o norte de Mato Grosso da década de 1970 era uma região selvagem e sem lei, mas Pipino irradiava sossego e confiança. Dal’Mazo foi um dos primeiros colonos a chegar em Sinop e, conforme contou a The Intercept Brasil, as pessoas se tranquilizaram quando Pipino garantiu que “todos os lotes tinham um título legal”. Entretanto, o direito de Pipino de emitir esses títulos e vender as terras era, na melhor das hipóteses, duvidoso, pois as terras que alienava eram, na sua maioria, públicas.

O início do projeto militar de colonização

Em 1972, os primeiros colonos fizeram a árdua viagem de sete dias do Paraná até Sinop. Em 1975, a migração se intensificaria, como Luiz Erardi explicou: “Teve uma geada que ceifou o cafezal no Paraná. A maioria das famílias foi atingida porque mexiam com café, acabou com café no Paraná. Nessa época também estava em expansão o latifúndio. Veio o grande que tinha dinheiro, ‘tem aí sua chácara, eu dou tanto’. E muitos falam que, com a venda da chácara que tinham no Paraná, compraram fazenda aqui em Mato Grosso.”

Mesmo com fazenda, a vida nas áreas de colonização se mostrou árdua. Os solos por baixo da floresta eram pobres e faltava tudo: assistência técnica, financiamento, infraestrutura etc. O conhecimento tradicional dos camponeses sulistas não se transportou facilmente para um ambiente amazônico desconhecido e diferente. Muitos plantaram café e, mesmo sem a ocorrência de geadas, não faltaram motivos para o fracasso dos cultivos.

“O sujeito vinha quebrado e voltava quebrado e meio”, sintetizou Erardi para explicar a situação das famílias que retornavam ao Sul. Completamente sem dinheiro, acabavam pagando com a terra – e que, até então, não tinha praticamente valor de mercado – para que um vizinho, também colono e dono de um pequeno caminhão, os levassem de volta para o Sul.

Quarenta anos depois, essas terras valem fortunas e os filhos e netos de alguns desse colonos são muito ricos.

Luiz Erardi e sua esposa eram professores no Paraná e, em 1982, chegaram a Sinop, com o projeto de fundar uma escola infantil. Ele conta que faltava energia, pois o gerador a diesel quebrava rotineiramente; que não tinham água aquecida e nem fogão a gás.

“Um domingo de manhã, levantei cedo, era final de novembro, muita chuva. Olhei lá fora, tudo alagado. Fui fazer café e peguei o açúcar e estava todo melado com a umidade. Disse: ‘não é terra de gente, é terra de sapo’. Fui ao quarto e falei para a minha esposa, ‘vamos ajeitar as coisas e ir embora’. Ela, inicialmente, não queria vir para cá. Nossos filhos estudavam, ela estava bem colocada lá no Paraná e tínhamos um fusquinha. Mas quando falei em voltar, ela bateu o pé, ‘eu não quis vir, você forçou para vir, agora não vou voltar’, ela disse. E acabamos ficando. Ainda bem.”

Depois de anos difíceis, Sinop não apenas sobreviveu, mas prosperou. Na medida em que a cidade prosperava, também cresciam as ambições de Pipino, facilitadas graças à amizade com os generais. “Ênio Pipino recebeu muito apoio militar”, nos disse Luiz Erardi. Frequentemente, ele participava de delegações oficiais em viagens ao exterior e era particularmente próximo ao general Figueiredo, que governou o Brasil de 1979 a 1985.

Os generais até dobraram a lei, quando foi preciso. Em 1982, quando escrevia o livro The Last Frontier, Sue Branford encontrou uma carta em um arquivo no escritório do Incra, com data de 25 de março de 1979, na qual Pipino solicitava cortesmente a Paulo Yakota, então presidente do Incra, que lhe desse os títulos referentes a uma enorme área de 2 milhões de hectares, que ele chamava de gleba Celeste e onde já havia estabelecido 3.300 famílias. Ao menos em parte, o pedido parece ter sido atendido, pois a Gleba Celeste foi registrada em nome de Pipino com um terço do tamanho pretendido e, como no Paraná, ele seguiu vendendo as terras e fundando cidades, sempre com nomes de mulheres: Vera, Cláudia e Santa Carmem.

Prosperidade para quem?

Obviamente, nem todos progrediram em Sinop. Na região, é comum dizer que os “teimosos” ficaram e colheram as recompensas, mas essa expressão é quase folclórica: para se tornar um milionário da fronteira, era preciso mais do que teimosia.

De acordo com a professora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Maria Ivonete de Souza, cujo pai, um trabalhador rural pobre, comprou um lote de terra em um projeto de assentamento mais ao norte, “sempre foi difícil para os colonos que chegaram sem dinheiro. Não foi fácil para os agricultores encontrar uma maneira de cultivar a terra que deu certo. No fim, descobriram que aplicar muitos insumos químicos funcionava bem. Mas até lá os pobres tinham gasto todos seus recursos e nunca ganharam o suficiente para recuperar o que perderam. Quarenta anos depois meu pai é tão pobre como quando chegou”, disse Maria Ivonete. “Ele sempre teve que trabalhar na terra de outra pessoa para fazer face às despesas da família.”

Geraldino Dal’Mazo e Luiz Erardi acham bom ter ficado em Sinop. Erardi foi professor, trabalhou em uma série de empregos dentro do governo municipal e seus netos ascenderam socialmente. Hoje, ele se orgulha de uma neta médica, formada em uma grande universidade. Dal’Mazo ganhou muito dinheiro nos primeiros anos, principalmente com a abertura de postos de gasolina, e se tornou prefeito durante o governo militar. Perdeu tudo na crise econômica brasileira no início dos anos 80; seus filhos, no entanto, enriqueceram.

Demorou mais de uma década em Sinop até que os agricultores descobrissem um tipo de cultivo rentável. Depois de tentativas fracassadas com várias culturas, o irmão de Geraldino Dal’Mazo plantou soja e se tornou o primeiro produtor da região a experimentar o cultivo, que até a década de 80 era pouco conhecido no Brasil. “Plantou 1.500 hectares em 1987 e produziu maravilhosamente bem” falou Dal Mazo. Atualmente, a maioria dos agricultores participa da onda sojeira e plantam milho e algodão na entressafra.

Aparentemente, Sinop é uma cidade próspera, vibrante e que pertence ao Brasil moderno. No entanto, alguns grupos sociais pagaram um preço alto pelo sucesso da cidade – os povos indígenas, as famílias sem terra e colonos sem recursos tornaram-se invisíveis. A floresta, que até a década de 1970 cobria todo o município, foi dizimada: em apenas 40 anos, 2/3 do município foram desmatados.

Dependendo do ângulo e de quem está olhando, Sinop pode ser considerada um território de conquista ou escombros de uma terra arrasada. À medida que nossa reportagem avança rumo ao norte pela BR 163, vamos ao encontro da atual fronteira agropecuária, onde hoje são travadas disputas por terras. É como viajar ao passado de Sinop.

Esta matéria é da série exclusiva “Tapajós sob Ataque”, escrita pela jornalista Sue Branford e pelo cientista social Mauricio Torres, que percorrem a bacia Tapajós. A série é produzida em colaboração com Mongabay, portal independente de jornalismo ambiental. Leia a versão em inglês. Acompanhe outras reportagens no The Intercept Brasil ao longo das próximas semanas.

Fonte: Outras Palavras.


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Por Ivan Canan

Sobre pequenez humana e a morte...
Morreu Marisa Letícia Lula da Silva. Ela foi primeira dama do país por 8 anos. Até porque sua antecessora também recebeu esse "título", era chamada de Dona Marisa. Morreu Dona Marisa, esposa de Lula.
Lula é um político. Não gostamos de políticos. Políticos deveriam ser aquelas pessoas que conseguem fazer quem pensa diferente negociar entre si. Políticos tem manipulado as pessoas que pensam diferente para que briguem entre si para lhes dar poder, enquanto eles negociam entre eles. Não gostamos de políticos porque políticos estão nos fazendo de idiota. Lula é político.
Lula também é um simbolo. Ele, bem intencionado ou não, foi quem melhor liderou a convergência de todos os discursos produzidos dos saberes que emergiram do sofrimento das pessoas em suas vidas privadas de dignidade. Camponeses, mulheres, oprimidos, trabalhadores da industria, pequenos empreendedores, moradores em regiões esquecidas, todo aquele que conseguia expressar dor, e cuja voz se reunia a outros que também expressavam voz pela dor da opressão, todos estes produziram saberes que foram abraçados por Lula. Bem intencionado ou não, ele ouviu esses saberes e tentou, com as elites, negociar para que essas vozes fossem ouvidas. Todo aquele que sente ou sentiu dor, vê nesse simbolismo de Lula algo bom. Podem não gostar do político, mas compreendem a grandiosidade da liderança (e esperam, ansiosos, que outros lideres também ouçam suas vozes).
Dona Marisa, como esposa de Lula, esteve do lado do político e do líder. E neste ponto, é preciso compreender melhor o dia a dia de alguém que ocupe uma liderança. Caso fosse Lula o Paulo Skaf, ele estaria liderando um grupo bastante pequeno em comparação com aquele que liderou. Seriam alguns poucos milhares de empresários. Cada empresário, entretanto, teria tanto dinheiro, que sua influência sobre esse grupo poderia impactar profundamente a sociedade. Todos os recursos lhe estariam disponíveis: poderia comprar propaganda, poderia comprar jovens obcecados para fazer terrorismo nas redes sociais e outros para organizar manifestações. Poderia pagar por manifestações, assim como poderia pagar por pesquisas que indicassem exatamente o que uma professora carioca humanista ou um empreendedor do centro oeste gostariam de ouvir, para incorporar aos seus discursos e fazer com que estes, também, se tornem gratuitamente defensores obsessivos de suas ideias (mesmo que contrariando suas posturas até então defendidas). Com dinheiro, tudo que puder ser mensurado pode ser comprado.
Mas Lula foi o líder que buscou representar a multidão cuja voz saia por lamentos. Cuja miséria não se refletia tão somente na falta de comida para três refeições, mas também no seu vocabulário: pessoas tão carentes que sentem dor mas não sabem como expressá-la. Para liderar esses grupos, não bastava falar o que se queria ouvir: era preciso descobrir o que falar para que estas pessoas se sentissem acolhidas pelo discurso, mesmo tendo elas tão poucas palavras à sua disposição para conversar. E Lula passou sua vida buscando compreender esse discurso, até que conseguiu. Bem intencionado ou não, ele conseguiu com que todo aquele com dor e sem voz se visse incluído nos discursos da cúpula de poder político do país.
Dona Marisa foi a mulher que esteve mantendo uma família para Lula enquanto ele dedicou tempo a dar voz a milhões de oprimidos. Sem os recursos que a mulher de Paulo Skaf tem a sua disposição. Sem também todos os saberes refinados que as filhas da alta sociedade tem à sua disposição desde que nascem.
É agora, minhas queridas e queridos, que lhes convido a refletir sobre a pequenez humana. Se a família é um valor tão importante para nós a ponto de chamar de "Dona" uma matriarca, é dado a Dona Marisa o mérito de receber esse tratamento porque ela o foi, dignamente.
Se a família que ela matriarcou é a mesma que deu condições para que Lula, bem intencionado ou não, liderasse de modo a dar voz para expiar a dor de milhões de oprimidos, então há algo a mais de valor, de mérito. Reforço, para que o insensível compreenda, que estes oprimidos cuja dor é tamanha e cuja miséria é tanta, não conseguem lhes fazer sentido os discursos que explicam que não há dinheiro para se aposentar. Sua dor simplesmente é tanta, que não lhes restará força, nem emprego, nem vida, quando esse trabalho extra chegar, e é essa dor da morte miserenta e certa que querem expressar e que não encontram acolhida nas explicações frias e racionalizadas do ministro Meireles, cujo saber vem do domínio de contas complexas numa planilha de excel. É essa dor que Lula deu voz, e que Marisa o ajudou.
Mas há o lado político. Há os erros de um político que, apesar de seu mérito por ter liderado tendo sido bem ou mal intencionado, há os erros que políticos cometem. E há noticias bombardeadas o tempo todo para tentar lhe provar que Lula foi mal intencionado.
E, politicamente, para destruir o mito, nem o direito da presunção de inocência lhe foi atribuído. Lula já foi condenado na inquisição daqueles que nunca sentiram dor, ou daqueles cuja dor já esqueceram. E se Lula é culpado, então Dona Marisa também o é. E querem tirar-lhe a honra de uma morte respeitosa.
Quando morreu Dona Ruth Cardoso, cujo marido soberbamente se apresentava como um príncipe, cuja educação em Sorbone lhe concedia milhares de palavras para construir seus discursos e cujos saberes eram completamente adequados àquele grupo de pessoas bastante poderosas que reconhecem como líder Paulo Skaf, quando Dona Ruth morreu, Lula decretou três dias de luto oficial.
Agora, por conveniência política, a trajetória de Dona Marisa é relegada ao papel de esposa de político (odiamos políticos. Eles deveriam nos liderar para que conseguíssemos negociar com aqueles com quem não concordamos, para que alcancemos o bem comum. Mas eles estão nos liderando para que briguemos com quem não concordamos para que possam negociar entre si, em favor próprio). E como esposa de político que representou aqueles que não tem voz, qualquer voz que lhe apregoe dignidade é calada.
A verdade é a verdade. A realidade É, independente do quanto alguém esteja disposto a reconhece-la. E a realidade é que Dona Marisa foi esposa do líder, tanto quanto foi esposa de político. E assim como Dona Ruth Cardoso também foi esposa de político, e também foi tratada com dignidade, também assim deve se tratar Dona Marisa por todo aquele que tem a dimensão moral de uma pessoa normal.
Aquelas que não conseguem lhe perceber o valor, estas não tem a grandiosidade de alma que se espera de pessoas comuns. Estas tem a alma pequena.
É importante percebermos, nós mesmos, se nossa alma é pequena ou não. Podemos errar em nossas posturas. Podemos não reconhecer a realidade. Mas se diante da realidade continuamos negando o que é de valor alheio, então sim, somos torpes. Somos pequenos. E se justiça existe no mundo, então é justo que todo aquele de alma pequena seja amaldiçoado.
É o que explicava Fernando Pessoa, com quem vos deixo nessa singela reflexão.
"Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."
Não esqueçam: Tudo vale a pena se a alma não é pequena!