Na sexta-feira (26/08), a imprensa saiu atrás de um filão jornalístico: pesquisa mostra que alunos da última etapa do ciclo fundamental “não sabem ler” nem “fazer contas”. A pesquisa foi feita por um grupo de entidades – Ibope, Cesgranrio e Inep – e teria sido aplicada em 250 escolas de todo Brasil. Os jornalistas não questionaram, não apuraram, não verificaram. Tudo bem, ao que parece a pesquisa confirma uma verdade: as escolas particulares são ruins nesse quesito e as públicas são muito ruins.
Como sempre acontece nesses casos, a imprensa trata do assunto – educação – como se não tivesse nada a ver com a história. E tem a ver. Ou ela escreve para seres na Lua? Para marcianos? Se a imprensa acha que educação não tem nada a ver com jornalismo, que mudemos os conceitos de jornalismo. Porque, até prova em contrário, o público do jornalismo é a sociedade e o papel do jornalismo, mais do que vender livros de culinária, é educar. Um dos motivos para esse desprezo com a educação está no fato de a imprensa não gostar de falar para as pessoas. Como alertam estudiosos da matéria (Wolton, Traquina, entre outros), o jornalista escreve para os coleguinhas, e não para os leitores. Narcisismo? Claro.
Os jornalistas – usando do senso comum – costumam repetir bordões como “educação é importante”, “educação é fundamental”, “é preciso investir na educação”. A bem da verdade, são frases Bombril – qualquer um pode falar, em qualquer ocasião, seja um tirano ou psicopata. Talvez se a imprensa cuidasse mais da educação, em vez de apenas e somente repetir os bordões antigos, tivéssemos melhores resultados nas escolas. Se a imprensa e os demais setores da sociedade olhassem mais as escolas perceberiam que elas sofrem de problemas agudos, crônicos. Então, ao invés de repetir bordões, diriam: precisamos de escolas e não de fábricas pasteurizadoras de gente. E concluiriam: mais importante que saber ler e fazer conta é fazer a criança gostar de ler e fazer contas.
Escolas que fazem as crianças pensar
Há algo de comum – e trágico – entre escola e imprensa: as duas instituições, por natureza, são conservadoras, as duas reproduzem a sociedade nos seus valores e, muitas vezes, nas suas patologias. Se o jornal faz um jornalismo que agrada ao seu leitor/cliente, sem novidades, a escola oferece um ensino que agrada à família, à sociedade, à igreja. A imprensa conservadora alimenta a escola conservadora. Ocorre que no meio tem uma criança e se tem algo na vida que não é conservador é criança. Os pais, leitores dessa imprensa conservadora, e seguidores de uma religião quadrada (como quase todas), quer que a escola seja quadrada e conservadora. É comum os pais determinarem à escola: “Faça com que essa criança me obedeça”. E a escola investe nisso porque os pais querem.
É normal que as crianças logo odeiem a escola, odeiem a matemática e odeiem os livros. Um dia desses, Ricardo Semler, em artigo publicado na Folha de S.Paulo (“Aulas de Amy”, 15/8/2011), mostrou como é possível ensinar sobre bactérias, matemática e plantas a partir da música, tomando como base algo que as crianças têm de sobra: a busca pelo saber. Ocorre que a maioria das escolas e dos pais e das igrejas prefere que as escolas empurrem goela abaixo a tabuada e a crença em Deus e o vovô viu a uva. Claro, tudo isso é medieval, atrasado, mas, com pequenas mudanças, é o método ensinado nas escolas particulares e públicas.
A proposta de Semler tem a ver com a proposta da Escola da Ponte, de Portugal, com a Vivendo e Aprendendo, em Brasília, com algumas escolas públicas de Belo Horizonte criadas por orientação de Miguel Arroyo e com outras espalhadas pelo país. Mas boa parte dos pais e igrejas odeiam essas escolas porque elas fazem as crianças pensarem, criarem, questionarem, buscarem o mundo, refazerem o mundo, ao invés de aceitarem este que os antigos criaram – onde a competição é lei e a crueldade é prática comum.
Fonte: AdNews
Texto de Dioclécio Luz, artigo publicado no Observatório da Imprensa
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