quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Dia do Pantanal

A morte do ambientalista Francisco Anselmo em Campo Grande (MS), durante uma manifestação ocorrida no dia 12 de novembro de 2005, contra a instalação de usinas de álcool e açúcar no Pantanal, quando ateou fogo ao próprio corpo, merece continuar sendo objeto de profunda reflexão, muito além da dor e revolta causadas pela dramaticidade e violência do ato.

Dor, revolta, reflexão, estupefação, são muitos os sentimentos, emoções que o gesto de Franselmo causou em todos os que estão atentos à profundidade dos acontecimentos que ocorrem em nosso País, mais do que nos eventos supérfluos, no verniz de fatos que são apenas rotina e que não mudam nada no contexto geral.

Francisco Anselmo de Barros, tem um longo passado de lutas em defesa da Natureza e especialmente do Pantanal.

Era Jornalista, Presidente da Fuconams (Fundação para Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul), uma das primeiras entidades de defesa do meio ambiente do país, articulador da criação e conselheiro da A.M.E. (Associação Mato-Grossense de Ecologia), primeira entidade ambientalista do Estado de Mato Grosso, membro fundador do Conama (Conselheiro Nacional de Meio Ambiente) e do CECA (Conselho Estadual de Controle Ambiental).

Além disso, Francisco Anselmo de Barros era consultor na instalação da WWF Brasil, membro da Diretoria da Rede Mata Atlântica e da Rede Ambientalista Greenpeace, na campanha dos Transgênicos.

Em seu currículo estão ainda cargos no CMMA (Conselho Municipal de Controle Ambiental), membro da Abrajet (Associação Brasileira dos Jornalistas de Turismo), da ADESG (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra), diretor executivo da Editora Saber Ltda, diretor executivo da Associação de Fomento e apoio às Artes e a Cultura em Geral.

Filiado ao Fórum Brasileiro de ONGs, a Associação Brasileira de ONGs e participante da Rede Rios Vivos, Rede Pantanal, Rede Aguapé de Educação Ambiental, Rede Cerrado, Instituto Socioambiental, W.W.F., Conservation International e SOS Mata Atlântica e coordenador do Fórum de Meio Ambiente e Desenvolvimento de Mato Grosso do Sul e de Fórum de Defesa do Pantanal.

Portanto, um currículo de atuação eco ambiental e de cidadania digno dos mais veementes respeitos e elogios.

A adjetivação do gesto de Francisco Anselmo de radical não comporta muita análise, porque na "raiz'" de sua definição, radical é tudo aquilo que não admite meio termo, não admite "jogo de cintura", não admite "termos de ajustamento de conduta", como assim há de ser para muitas das questões que se nos deparam nesta vida.

Não há insensatez em todos os atos radicais, só porque assim o são. Uma coisa pode não ter nada a ver com a outra, depende do que ela significa, do que afinal se está tratando. O gesto de violência contra a própria vida de Francisco Anselmo nada teve de insensato. Muito pelo contrário.

Os radicais da devastação e da insustentabilidade ambiental apadrinhados pelos agentes públicos servis do poder econômico, por ignorância e má fé, é que são os insensatos, pelas óbvias razões de que não medem esforços para a contínua exploração dos recursos naturais, em nome apenas da ideologia do crescimento e do acúmulo de mais e mais dinheiro, sempre nas mãos de poucos.

O gesto de Francisco Anselmo foi um acontecimento gravíssimo e não só os ambientalistas, os engajados, os que estão correndo riscos em todos os dias, precisam ficar atentos e olhar à sua volta, para os companheiros, tentar ler em seus rostos, ver os seus gestos, olhar nos seus olhos, para saber como andam as coisas no interior de cada um. E olhar para si mesmos também. Até quanto e quando poderão suportar. Cuidar dos outros e de si próprios.

O momento é difícil, muito difícil. Os alertas são sucessivos, todos os dias, repetitivos até, mas os ouvidos são moucos, grita-se para uma platéia de surdos, inclusive a própria mídia dita "tradicional", encastelada e viciada no supérfluo, no que atende ao gosto das massas, essas manipuladas como massas mesmo, de pão e de pizza.

Não há registro na história do país de um gesto como o de Francisco Anselmo, de uma manifestação extrema de amor à vida, à natureza, ao tudo que ela significa para os humanos e para a vida na Terra, em todas as suas formas, mostrando e alertando que se mata um pouco, todos os dias, a vida na Terra.

Muitos outros gestos se viu no planeta semelhantes, mas não temos registros de como se pode chegar à defesa ambiental da forma como chegou Francisco Anselmo. Quem acompanhou a americana que morou meses em uma sequóia para impedir o corte das árvores gigantescas, pessoas que se amarraram em árvores, a luta de Chico Mendes, as ações do Greenpeace de grande risco nos mares para salvar baleias, mobilização de comunidades para salvar áreas verdes, pode entender um pouco do que aconteceu.

Como escreveu Arthur da Távola,

"Suicídio é algo que me aterra. Como a morte de filho antes dos pais, representa a destruição do milagre maior: a vida. Muitos orientais o consideram honra e heroísmo. Mas sou ocidental. O máximo é compreender causas psicológicas irremovíveis como as
chamadas depressões profundas sejam perceptíveis ou sub-reptícias. Ou as heróicas.

O Brasil não prestou atenção no fato gravíssimo representado pelo suicídio do ambientalista Francisco Anselmo de Barros, o "Franselmo" ateando-se fogo, envolto em colchão encharcado de álcool como protesto pela construção de quinze usinas de álcool e açúcar no Pantanal Mato-grossense.

Ainda bem que esta grande figura que é a Ministra Marina Silva, com a firmeza de sua mansidão, no dia 15 de novembro anunciou a proibição da construção desejada pelo Governador Zeca, do seu partido, das mencionadas quinze usinas de álcool e açúcar.

O que está no centro dessa questão é se vamos sucumbir à ditadura da economia e continuar a destruir a natureza como se fez e faz de modo violento e criminoso na Amazônia, na Mata Atlântica, nas queimadas propositais de florestas, nos manguezais, na exportação ilegal de animais, ou se o País vai ser implacável na busca do desenvolvimento humanizado e construído para o ser humano e o povo e não para meia dúzia de poderosos ricaços oportunistas e desumanizados pela ambição.

Há mil e uma maneiras de crescer sem destruir e mesmo de criar empregos em atividades de preservação e de agricultura, inclusive. Fico a imaginar a solidão da ministra Marina Silva, diante de tudo o que a inconseqüência brasileira faz em sua área.

Em 1972, o poeta japonês Yasunari Kawabata, Prêmio Nobel de Literatura de 1968 e grande escritor, suicidou-se, fortemente deprimido (entre outros males de seus 72 anos), por constatar que o novo Japão após a Segunda Guerra Mundial, optara por um desenvolvimento capitalista implacável, que arrebentaria a tradicional cultura da sutileza, da delicadeza, da elevação espiritual do passado japonês destruído desde que seu país invadira a China de modo brutal e assassino anos antes.

Não suportou viver fora de uma sociedade sensível e espiritualizada que via esboroar-se diante dele em nome do progresso econômico a qualquer preço. Por mais que o suicídio jamais me pareça solução para qualquer mal da sociedade, considero, para o futuro do Brasil, o gesto do Francelmo de igual significado ao de Kawabata: lamentável e doloroso. Mas heróico. Os ambientalistas também são poetas panteístas.

Escrevem seu amor à natureza ajudando a preservá-la. Por amor à vida".

Fonte: Ecol News.

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