sábado, 25 de junho de 2011

Vivendo de muletas

Olhando para aquelas 11 pessoas sentadas nas cadeiras com rodas, inertes, senti pena. É frustrante ver pessoas cheias de energia e poder, limitadas a chacoalhar os braços e esbravejar, como se nada pudessem fazer.

Apoiados sobre a "muleta", esses sujeitos vibraram com a baita conquista: um veículo Gol, ano 2002. O carro, que era do governo do Estado, será doado para a Adefis, a associação dos deficientes físicos aqui de Sinop.

"Conquista"? Um carro velho, que é refugo do Estado, é uma conquista? Só se for para esses inertes 11 senhores nas cadeiras com rodas. Esses mesmos 11 que toda segunda-feira vestem seu terno e gravata e vão se escorar naquela grande muleta que é a tribuna da Câmara. Vereadores presos as suas cadeiras... com rodas... achando que fizeram uma grande boa ação para os deficientes físicos.

Por falta de luz, em todos os sentidos, a sessão foi encerrada pela metade. A doação já havia sido votada e festejada. Aos poucos, no breu do poder legislativo, todos foram deixando o plenário. Os vereadores ão gostaram da escuridão no lado de dentro. Mas do lado de fora ela foi providencial. A falta de luz encobriu uma cena que merecia ser vista por cada um daqueles indivíduos que comemorou a doação do carro. Com muito sacrifício, os cadeirantes que foram assistir a sessão tentavam entrar no veículo que a associação já tem: um Gol. Contando com a boa vontade dos outros, o cadeirante era pego no colo e colocado dentro do veículo. Então, essa pessoa pegava a cadeira "de" rodas, dobrava e empilhava no pequeno porta-malas junto com as outras. A dependência não acaba ai. Quando chegar ao seu destino, será preciso repetir a manobra.

Os senhores sentados nas cadeiras "com" rodas não sabem disso. Eles se levantam, andam até a rua e entram em seus grandes e confortáveis veículos, inclusive com a consciência leve. Como se não soubessem que esse Golzinho de R$ 12 mil é uma merreca. Bastava cada vereador doar 1 terço do seu salário, só um mês, e daria para comprar essa "grande conquista".

É claro que não vão faltar "muletas" para rebater essa idéia. Os populistas dirão que se ajudar um terão que ajudar a todos e o salário é pequeno. Os idealistas vão afirmar que o salário é para pagar o trabalho de vereador e não para dar esmola. E os oposicionistas dirão que isso é obrigação do prefeito, que é quem tem a caneta.

Vamos aceitar essas muletas e não tocar no santo salário dos vereadores. Então que tal as diárias? Afinal, se o salário é para pagar o trabalho do vereador, não há razão dele receber diárias quando vai para fora.

Até o mês de abril a Câmara gastou R$ 50 mil em diárias. R$ 6,2 mil foram os funcionários. O restante ficou com os vereadores: R$ 43,8 mil. Dava para comprar 3 Golzinhos.

Essas diárias são absolutamente legais e podem ser utilizadas pelos vereadores para vários motivos, até para ver posse de deputado. No mês de janeiro mesmo foram R$ 9,5 mil em diárias e olha que o poder legislativo fica em recesso.

Mas se tocar no assunto, logo um vereador se escora na sua "muleta" e começa a mexer os braços e boquejar no microfone da tribuna, com uma coerência invejável: Primeiro critica a empresa de ônibus por não ter elevador para cadeirantes e depois comemora a doação de uma lata de sardinha para os deficientes. Para mim isso é hipocrisia rasa.

Como diz o dito, a desculpa do aleijado é a muleta.

Jamerson Miléski, Pg 3 do Jornal Capital do dia 22 de junho 2011.

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