Quando se tem a responsabilidade de um líder, é preciso saber dizer não. Um comandante nato deve perceber o que acontece no seu entorno e ter uma visão de futuro. Com o discernimento de quem conhece o ontem, o gestor deve ter a capacidade de conciliar o que é melhor no presente sem comprometer o futuro.
Esse conceito vale para líderes de qualquer estância: para a mãe de uma família; o capitão de um time de futebol; o chefe de setor de uma empresa; o presidente de bairro; o pastor da igreja; o vereador, prefeito, governador e assim por diante. Todos precisam ter uma percepção aguçada do que o cerca e a partir disso vislumbrar o futuro.
Embora a postura seja obvia, ela não é facilmente alcançada. Os líderes tem dificuldades de equilibrar o hoje e o amanhã, respeitando o ontem. O mais comum dos erros é olhar só para o presente. E assim, a mãe que dá tudo que o filho quer acaba criando um eterno dependente, meliante em potencial. Agrada hoje e faz chorar amanhã.
Infelizmente, muitos líderes acabam fazendo esse papel de mãe. Por não saber dizer não, temendo desagradar o filho eleitor, permite o que não deveria. Pode ser bom agora, mas ruim mais pra frente.
Os fiéis de uma igrreja no Jardim Botânico estão felizes com a permissão da prefeitura para transformar o canteiro central da Avenida das Itaúbas em estacionamento. A obra já começou. Ao invés do valetão todo aquele espaço será transformado em vagas para os veículos dos fiéis.
O projeto é lindo! Feito com a ajuda do departamento de engenharia e de trânsito da prefeitura, o projeto enche os olhos, criando um efeito urbanístico. Quem dá uma olhada na maquete 3D não tem dúvida: é bem melhor um estacionamento desses do que um valetão na frente da minha igreja.
Mas quais são as conseqüências disso?
Anos atrás essa mesma igreja solicitou a duplicação do estacionamento, pedindo a permissão para estacionar nos dois lados da avenida, nos horários de missa. O gestor da época disse sim. Quando fez isso, imediatamente outras igrejas e estabelecimentos comerciais também pediram. Se deu para um, tem que dar para outro, certo? Não é essa a lógica da mãe que só diz sim?
Abriu-se o precedente e todos passaram a querer. Mas de repente, a faixa dupla passou a ser pouco. Era preciso mais. Aliás, a tal igreja já se inspirou em outro precedente, que foi o estacionamento na mesma avenida, no cruzamento com avenida das Fiqueiras. Na pressão, sem argumentos ou por pura boa vontade, o prefeito disse sim. Talvez essa fosse a hora de dizer não. Ao dar a sua anuência o gestor comprometeu todos os canteiros centrais e rotatórias, utilizando precocemente um preciso espaço urbano. Um espaço que no futuro poderia ser utilizado para a implantação de um VLT (Veiculo Leve sobre Trilhos) , como Cuiabá pretende colocar para a Copa. Ou ainda, colocar nesses espaços terminais "cápsula" como os de Curitiba. Afinal, problema de trânsito e estacionametnto não se resolve criando mais vagas. Isso é um ciclo eterno, que foi iniciado com a permissão de um estacionamento para uma igreja.
Os canteiros transformados em estacionamentos perderão parte da capacidade de absorção de água. Na época das chuvas, a própria Avenida das Itaúbas acumula 40 centrimetros de água. Isso hoje! Imaginem sem os valetões. Quanto mais asfalto e concreto, maior problema com a água da chuva. São Paulo conchece bem essa conta. Basta uma chuveinha para inundar a cidade.
Eu estou curioso para saber qual será a reinvindicação quando os fiéis chegarem à igreja e não conseguirem sair dos carros, porque a chuva tomou conta. Será preciso muita fé para andar sobre as águas.
Por Jamerson Miléski, Jornal Capital.
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