Em 1976 o satélite americano Skylab, que orbitava a 930 quilômetros da Terra, fotografou o maior incêndio já registrado pelo homem. O fogaréu queimava no sul do Pará. Quando a imagem foi enviada ao Brasil para ser decifrada, foi um escândalo. Um cientista de São Paulo chegou a declarar, em Belém, que a queimada atingia um milhão de hectares. E bradou aos céus, de onde viera a informação, por providências.
A primeira foi identificar o autor do crime. Era a Volkswagen. Ela abria uma fazenda em 139 mil hectares no município de Santana do Araguaia. Era a primeira vez, na sua história de 40 anos, iniciada sob o regime de Adolf Hitler na Alemanha, que a grande indústria deixava de lado a sua especialidade, a montagem de veículos automotores, para montar bois, o que jamais fizera.
O incêndio, na verdade, atingira “apenas” 1% da área anunciada. Eram impressionantes 10 mil hectares (área de 100 quilômetros quadrados), mas a enorme diferença de valores amorteceu o impacto da revelação. Aos poucos, depois de muito estardalhaço sobre o valor da multa, que equivaleria à soma de todo o investimento do projeto (porque a multinacional não fora autorizada a queimar a mata), o assunto foi sendo esquecido. Acabou arquivado.
Mas devia ser lembrado sempre. Ajudaria a corrigir tantos e tão graves erros cometidos ao se tratar da complexa Amazônia. Então como agora.
O primeiro: não basta ter boa intenção e estar empenhado na “causa amazônica” para ajudar a região. É preciso conhecê-la bem, tarefa difícil, árdua e prolongada. O cientista denunciante, que dirigia o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), de Manaus, embora uma autoridade, disse um absurdo.
Qualquer pessoa com conhecimento de campo da Amazônia saberia que é impossível queimar um milhão de hectares de uma só vez, numa única temporada de verão. Pode parecer algo factível para quem se informa sobre a Amazônia à distância ou por via indireta (livros, jornais, internet, televisão). Mas para quem vê com os próprios olhos os acontecimentos e sabe o suficiente para definir parâmetros, era um absurdo. Mesmo que dito com a melhor das intenções, com as quais, como se sabe, pode-se ir ao inferno.
Por causa desse erro atroz, embora bem intencionado, foi deixada de lado a necessária investigação sobre o maior incêndio de todos os tempos, praticado em plena floresta tropical. Como é que a Volks, com um contingente de trabalhadores (os maltratados “peões”, escravos da nova era de descobrimentos) dez vezes inferior ao que o maior desses exércitos de desmatadores em ação, o que a Jari utilizava, conseguiu igualar a área de derrubada na mesma época pelo milionário americano Daniel Ludwig, um pouco superior a 10 mil hectares?
Não só por recorrer ao fogo, que Ludwig rejeitava em sua imensa área, de 1,6 milhão de hectares (o desmatamento na Jari era mecânico, com o uso da maior quantidade de motosserras na América Latina). Mas porque, talvez, quem sabe, a Volks aplicasse o agente laranja.
Havia um grande estoque desse herbicida, que já não era mais empregado pelos Estados Unidos na guerra do Vietnã, para desfolhar as árvores e expor os esconderijos e os campos de arroz dos vietnamitas do sul e vietcongues. Sua eficiência era comprovada. E seus malefícios, arrasadores. Dentre outras sequelas, provocava câncer.
Atualmente, o governo americano realiza, com o governo local, a descontaminação das áreas atingidas pela propagação desse fósforo químico. É trabalho para muito tempo. E não eliminará os danos que já causou a milhões de nativos e milhares de americanos, também contaminados por seu próprio veneno.
Já a Volkswagen, como milhares de outros investidores, recebeu dinheiro do Tesouro Nacional, a partir de renúncia fiscal da União (sem retorno à fonte), para devastar a Amazônia. A proporção chegou a ser de 75% de recursos federais para 25% de capital privado, dinheiro nem sempre corretamente aplicado.
Às vezes a contrapartida do investidor particular era fraudada, fictícia. Foi o que fizeram os donos do maior conglomerado de comunicação da Amazônia, os irmãos Ronaldo e Romulo Maiorana Júnior, em processo que está pronto para ser sentenciado pelo juiz da 4ª vara federal de Belém, com pedido de condenação pelo Ministério Público Federal. Também acontecia de o empreendimento fracassar, pondo a perder tudo que fora feito a partir da eliminação da paisagem original.
Foi o que sucedeu com a fazenda da Volks. Ela acabou sendo vendida sucessivamente. Ao invés de abrigar um grande rebanho do melhor gado do mundo, como a empresa pretendia, se tornou um assentamento rural. Desses fadados a ter vida curta e não dar certo também.
O episódio, contudo, teve também um aspecto positivo. Por causa do impacto mundial, o governo militar, promotor e avalista do processo de ocupação da Amazônia através de colonizadores externos, teve que fazer uso da mesma tecnologia de ponta para dar uma resposta à comunidade internacional sobre aquela façanha negativa (o que colocou o Brasil na vanguarda desse tipo de tecnologia).
Um levantamento que então se procedeu, a partir da interpretação de imagens de satélite, revelou que, até 1976, apenas 0,8% da Amazônia tinha tido sua cobertura vegetal alterada pelo homem. A “última grande fronteira mundial de recursos naturais” mal tinha sido arranhada: era, como observou Euclides da Cunha, na primeira década do século 20, a página do Gênesis que Deus deixou para o homem escrever.
Hoje, 35 anos depois do incêndio recorde da Volks (que nunca mais voltou a pensar em montar bois), a alteração se aproxima de 20% da superfície amazônica – a uma velocidade menor, mas sempre constante, e cumulativa. Essa área que perdeu sua mata equivale a três vezes e meia o tamanho de São Paulo, que concentra um terço da riqueza nacional. É o maior desmatamento da história da humanidade, justamente onde sobrevive um terço das florestas tropicais da Terra. Mais um recorde. Também ruim. Péssimo. Na Amazônia, em regra, tem sido assim.
Fonte: Yahoo, por Lúcio Flávio Pinto
Nenhum comentário:
Postar um comentário