Enquanto isso, em Alta Floresta-MT, na sede do Ibama, parte do material apreendido em operações realizadas na região, fica na frente do escritório regional, local que seria para estacionamento.Dificuldades estruturais, operacionais e escassez de agentes poderiam não ser problemas no combate ao desmatamento realizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Isso porque o órgão tem uma dívida ativa, ou seja, tem a receber R$ 938,9 milhões de diversos devedores em todo o país. Para se ter uma idéia, a quantia é superior a todo o orçamento global autorizado para o Ibama este ano, incluindo gastos com pessoal, despesas correntes (luz, água, telefone, etc.) e investimentos, R$ 765,2 milhões. Do quase R$ 1 bilhão a receber, cerca de R$ 117 milhões são relativos a Superintendência de Rondônia, R$ 91 milhões de Mato Grosso e R$ 72 milhões são dívidas contabilizadas mas não pagas ao órgão no Pará. Já para a Superintendência do Amazonas passa de R$ 65,3 milhões em dívidas a receber.
Enquanto as dívidas não são quitadas, os municípios mais devastados da Floresta Amazônica situam-se justamente nesses estados. Segundo a última lista produzida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) sobre a destruição na floresta, dos 36 municípios listados pelo MMA como os campeões de desmatamento, seis são do Pará e sete do Mato Grosso. Essas cidades figuram entre as 20 que mais desmataram no acumulado desde agosto, segundo a ONG Imazon.
Grande parte da dívida ativa do Ibama refere-se a multas. Apenas em dois meses de atuação, a operação Arco de Fogo, por exemplo, superou R$ 60 milhões com 338 multas aplicadas contra o desmatamento da Amazônia pelas cinco bases da operação montadas no Mato Grosso, no Pará e em Rondônia. Fiscais do Ibama e das policiais federal e da Força Nacional de Segurança Pública fiscalizaram pelo menos 166 propriedades, entre empresas e fazendas. Eles apreenderam 37,4 mil m³ de madeira ilegal, o suficiente para encher 1,5 mil caminhões.
A operação Arco de Fogo é uma ação integrada de forças federais para combater o desmatamento da Amazônia e a cadeia do comércio de madeira ilegal. A ação não tem data para terminar. De acordo com o balanço do Ibama, foram apreendidos até o momento 6,7 mil m³ de madeira em toras, 1,2 mil m³ de madeira serrada, 105 metros de carvão, 130 estéreo de lenha, dois caminhões, uma máquina carregadeira e duas motosserras na região.
Segundo o professor de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli, há uma série de razões para que as dívidas não sejam pagas. “O Estado brasileiro não tem tradição de cobrar, principalmente quando se trata dos grandes devedores, aqueles que têm fortes laços políticos nas diversas instâncias”, argumenta Piscitelli. Para o professor, o tráfico de influência, que acontece com mais freqüência em âmbito municipal, é um dos fatores que dificulta a cobrança.
Além disso, a morosidade no processo também atrapalha. Os órgãos credores chegam a demorar três anos para inscrever o débito na dívida ativa, enquanto isso poderia ser feito em apenas 60 dias. Durante o processo judicial, há ainda muitos meios de postergar a cobrança. Nesse meio tempo, os devedores transferem seu patrimônio para pessoas próximas ou para contas no exterior. Quando a cobrança é feita de fato, o devedor não tem mais nada em seu nome e alega não ter como pagar o que deve.
Para Piscitelli, falta disposição política para cobrar as dívidas. “Se não houver efetividade na aplicação tributária, a lei se torna inócua ou só é aplicada aos mais fracos. Em vez de todos os anos ensaiar uma reforma tributária, deveríamos aprender a cobrar o que já é devido. Como mudar a tributação, se não conseguimos cobrar a que já existe?”, questiona o professor.
O Contas Abertas entrou em contato com o Ibama para saber a opinião do órgão diante da situação. No entanto, até o fechamento da matéria, a instituição não se manifestou sobre o assunto.
Desmatamento triplicou em MT e PA, aponta ONG
Enquanto os credores do Ibama não pagam suas dívidas milionárias, o desmatamento avança na maior floresta do mundo. Segundo levantamento da organização não-governamental Imazon, o desflorestamento voltou a crescer em Mato Grosso e no Pará no primeiro trimestre do ano, justamente quando o governo federal anunciou medidas para combater o desflorestamento na Amazônia.
De acordo com dados da instituição, nos dois estados, que são recordistas de destruição, praticamente triplicou a área devastada no período. O aumento é um movimento atípico para esta época do ano, quando a ação no campo é mais difícil por causa das chuvas na região. A área desmatada nos dois estados passou de 77 km², de janeiro a março de 2007, para 214 km² no mesmo período deste ano, dos quais 149 km² foram em Mato Grosso. O levantamento foi feito pela organização não-governamental a partir de imagens de satélites.
Leandro Kleber
Do Contas Abertas
Foto: Magnos Oliveira
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